Desabafo #3



Fui procurar a felicidade e a encontrei no quintal de casa. Eu a vi como manto sobre uma criança que ria sem motivo aparente. Suas gargalhadas e sua alegria talvez se dessem por simplesmente estar ali, sentada em um balanço que a levava para o alto e depois a descia gentilmente, vislumbrando-se o vento em seus cabelos encaracolados. Ela é feliz e é livre. Livre para gritar, espernear, chorar, rir, dançar, cantar, enfim, pode ser o que ela quiser. A crítica e análise social não a atinge, porque ela é uma criança e “criança é assim mesmo”. Mas eu, já adulta, suspeito não ter a mesma sorte que ela. E nem você.

Apesar de eu ver a felicidade dela, não conseguia a sentir em mim. Seu sorriso meigo não me contagiava e sua liberdade não me atingia. Tudo bem, eu nunca fui de doar muitos sorrisos por aí. No entanto, também nunca fui muito de permitir que discursos prontos chegassem ao campo das minhas várias preocupações. Só que agora é diferente. Eu me vejo e me percebo de outra forma, como se tudo até então fosse de certo fingimento inconsciente da minha parte. E eu já escrevi sobre isso mais de uma vez, na esperança de que as palavras me ouvissem e me retornassem com alguma solução ou conselho. Infelizmente, nada. Cheguei também a vomitar angústias por mensagens com amigos, mas a ânsia não passou. Então, após tentativas frustradas de me desfazer dessa bagagem pesada que a realidade obscura da vida me trouxe, resolvi agir de acordo com meu instinto pouco experiente. Sem sucesso de novo, uma vez que, bem, como eu disse, meu instinto é traiçoeiro. Muito embora eu tenha pensado em deixar para lá, esquecer, colocar o tapete em cima, ignorar, fingir ou qualquer coisa que me afaste de quem eu sou, escolhi entender e resolvi descobrir.

Comecei pelo início. Meu primeiro beijo. Ok, nada demais. Foi com um menino, normal. Eu sou heterossexual. Tive outros casos com homens e, logo uns anos depois, só fiz o que eu já quisera há muito tempo: beijar uma garota. Legal, nada demais, prefiro homem. E minha vida amorosa, contando em poucas palavras mas que são extremamente pessoais, começou a ficar mais diversificada, mesclando homens e mulheres – mais homens que mulheres. Já sem rótulos ou preferências, pude desfrutar do prazer de ambos os sexos. Algumas amigas minhas insistiam na ideia de que eu era bissexual, mas isso de fato não importava e eu não queria me restringir a um grupo sem ao menos ter a certeza de tal inclusão. E, por mais que meus libidos se engraçassem para o lado da mulheres, nunca deixei isso transparecer. Por medo, reação, preconceito. Até então.

Ultimamente, me pego vagando pelos arredores da cidade à procura de diversão. “Mas, pera aí, sozinha?”, você me pergunta, e eu lhe respondo que sim, sozinha. De uns tempos pra cá, me percebo em um lugar que não me pertence, junto à pessoas que não me interessam mais tanto assim, sem poder abrir a boca e dizer que eu simplesmente descobri que prefiro mulheres a homens, sem poder chamar amigos meus para sair porque “eu não vou em balada gay”. Eu não tenho amigo gay, nem lésbica, nem bissexual, nem trans, nem pans, nem pá. Meu drama é não ter contato com pessoas como eu, com os mesmos interesses de músicas, assuntos, hobbies, filmes, séries, programas e afins. Tudo isso porque eu despertei esse interesse dentro de mim de forma minuciosa, mas tão discretamente que nem você notou. E eu estou aqui, escrevendo pela primeira vez o que eu sinto, penso e sou. Sou hetero? Sou gay? Sou confusa? Pra caramba. O que me resta é descobrir e ser livre. Livre para gritar, espernear, chorar, rir, dançar, cantar, enfim, poder ser o que eu quiser. Aí então saberei exatamente do que se trata os risos de uma criança feliz. 

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