A dor da saudade



Ainda não pensei sobre suas poucas roupas deixadas no lado esquerdo do guarda-roupa que dividíamos. Talvez eu me livre delas amanhã, mas antes ainda tenho que me livrar da indecisão de jogá-las no lixo ou queimá-las - quem sabe os dois. E não por ódio ou sentimento ruim que tenho por você: é que eu preciso de mais espaço.

Aliás, que agonia lembrar que elas estão dentro daquele caos, espalhadas e amassadas. Aquele canto seu que eu lhe pedia tanto para organizar, para deixar razoavelmente arrumado. Pensar nisso me levou a desenterrar memórias, como a primeira vez que você chegou exausta do trabalho, tirando sua bolsa e jaqueta sem mal ter fechado a porta do apartamento. Depois, você se desfez de sua blusa, então de sua calça... e eu observando incompreensiva do sofá, enquanto lia - ou tentava ler - um romance. Seu sutiã, por um descuido proposital, desceu pela sinuosa cintura que te faz mulher. Daí em diante, eu tive que reler a última frase. Quando, finalmente, você tirou sua calcinha, eu abandonei o livro. Tudo isso enquanto você ia em direção à banheira, deixando suas peças todas no chão, fazendo delas um caminho até você. E eu o segui, como, inquestionavelmente, eu sempre fiz.

Mas, agora, as roupas que você esqueceu aqui já não são suficientes para me levar até você outra vez. Nem todos os objetos que montaram nossa história dariam conta de fazer esse caminho. Com ousadia e tom incerto, eu poderia dizer que somente o vazio que carrego pesado no coração me motivaria a fazer tamanho esforço. E se mesmo assim eu não te alcançasse, caberia a mim a humilde tarefa de deitar na cama e colocar a saudade para dormir. E é exatamente isso que eu estou fazendo agora, mas a maldita é insone.

Ainda não decidi sobre o que fazer com as suas roupas. Se bem que, pensando com os meus botões, talvez seja melhor não mexer nelas. É, deixá-las por lá mesmo, no guarda-roupa, até que um dia o cheiro que sair de dentro dele não seja mais o de seu perfume - quem sabe cheire a mofo. Até que elas desapareçam, sem eu ter de me preocupar com seu destino. Até que elas sejam apenas roupas entulhadas, sem significados maiores. Eu posso aguardar sem pressa. Enquanto isso, vou desviando a atenção, manipulando meus sentimentos e acreditando nas minhas mentiras, inclusive a de que eu preciso de mais espaço.


- Mari Sanches <3
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